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quarta-feira, 11 de março de 2009

Castelo de Pedrinhas

Castelo de Pedrinhas


Desejaria ver aquele sexo dançar. Respiro movimento. Sou um monstro faminto xeretando carne alheia. Como, depois enjôo jogando fora.
Eu morava num castelo de pedrinhas coloridas, onde existia uma pequena tábua ao lado da casa que dividia e separava o meu espaço ao de uma moça que não sabia fazer seu corpo dançar.
No espaço da moça-sem-dança, tudo era seco, parecia não ter cheiro, som e nem cor, aquela condição enervava-me. Seu corpo, dentro de onde ela morava, mostrava-se reservado e endurecido. Eu queria tirar aquele corpo de lá. Minha barriga reclamava fome, precisava comer corpo em agitação.
Respiro ansiosa...
No espaço onde eu moro, existem pedrinhas coloridas que às vezes por uma pontadinha aguda e ousadas das suas posições ferem os meus pés.Deixo-os sangrar para enriquecer as cores, ainda mais, com o vermelho intenso. Queria a moça reservada no meu castelo. Queria ensiná-la a dançar movimento, pisar nas pedrinhas e mastigá-la...digerindo tudo.
Minha pele me reveste de cara de uma boa menina. Essa é a melhor vestimenta que me cabe no armário multifacetado do meu cinismo deslavado. Eu queria a moça reservada brincando no meu castelo, e quem sabe cobri-la de pedrinhas, feito castelinhos que eu brincava em minha infância na praia, escondendo corpos por debaixo da areia. Mas agora a brincadeira era diferente, queria pedrinhas de castelos para cobri-la colorida de furos e agonia, tinha fome de devorar corpos em alteração. Queria cobri-la de pedrinhas pontiagudas fazendo-a contorcer-se pela dor, deixando-a estremecer para sair o movimento. Sua pele sendo penetrada pelas pedras, daria vida, agitação e sons com urros que alegrariam os meus olhos ansiosos por cores e movimentos.

...

No dia em que senti uma fome maior, era primavera e eu venerava sentir as fragrâncias das flores, elas exalavam odores de funeral. O perfume das pétalas acalmava os meus sentidos libertinos. Naquele dia que era primavera, choveu. Os pingos da chuva eram tão fortes, que me cortavam como açoites. A água-açoite me bolinava. A chuva me entranhava. Mas, por desejo natural de paixão instalada, apenas pela moça endurecida, o meu pensamento fixava-se em sua existência, portanto eu usava a água que insistia em me penetrar. Eu estava fervendo pela garota endurecida.

O vendaval-chuvoso estava forte e fogoso, desorganizando tudo, violentando a minha pele com carícias, eu sentia cócegas, mas, não a queria.
A água foi tão intensa com a ventania, que demoliu a tábua que dividia os nossos corpos e espaços. Com despeito a água turbulenta só fez nos aproximar. Eu ri da chuva.
Agora não existia mais afastamento. Gelei.
Tudo se misturou: A casa seca sem cor, fragrância, movimento sem movimento e as pedrinhas coloridas pontiagudas.

A abertura que ficou entre as duas casas fez-me olhá-la: tensa, dura e parada. Ela usava uns óculos escuros, talvez fosse esses artifícios protetores dos olhos, que fazia ela não enxergar a vivacidade das cores.
Ela não fez nenhum movimento ao me ver ali parada, observando-a: petrificada, exaltada e inquieta com o arrebatamento da sua imagem. Durante minutos, que parecia séculos, fiquei a observar. Minha barriga roncava e contorcia-se.
Corri para a minha casa, liguei o som bem alto, tocava uma música que nem era melancólica e nem era amável, não tinha divisões maniqueístas de emoções, apenas era uma música. Eu voltei para o espaço sem divisão e comecei a bailar. Abaixei-me, depositei um punhado de pedrinhas entre as minhas mãos ao som do movimento e fui me aproximando para o espaço da sua casa. A minha barriga roncava alto, misturando-se com o som pulsante sem definição. Estava tudo meio escorregadio, porque a chuva de açoite tinha deixado seus rastros com feridas nos corpos, mas por desprezo dos meus olhos ela havia ido embora. Só o cheiro das flores de primavera-cemitério permanecia perfurando as minhas narinas e talvez as da moça endurecida. Cheguei mais perto dela, abri o punhado de pedrinhas das minhas mãos, e aproximando-me ainda mais dela coloquei o montinho colorido no chão à sua frente. Ela fez uma expressão que significou uma reação curiosa. Minha barriga roncou. Minhas veias ficaram trêmulas e minha voz embargada, chamei-a para dançar. Só ouve um balançar da sua cabeça que dizia um não, mas, coração apaixonado, entendeu como um sim aquele gesto . Então, puxei-a para dançar. Ela fingiu que rejeitou, mas seu corpo que sempre estava tenso e duro amoleceu ao pegar na minha mão e não mentiu no sim do seu desejo. Eu tirei os óculos dela, os seus olhos eram pretos feito duas jabuticabas. “Eu te ensino a dançar”. Disse a ela. A música tocava. Aproximamos os nossos corpos e começamos a balançar. Seus movimentos eram desconexos e escorregadios, acho que a água da chuva havia deixado deslizes no chão. Nossas roupas estavam pesadas dos açoites da água, que por malícia tentou nos possuir e entrar, interromper e se intrometer em uma história que apenas era nossa e sem dizer nada nos despimos do peso da água que ficou na roupa. Agora só éramos nos duas.
Era primavera, a chuva tinha passado, o som era gostoso de ouvir e as pedrinhas existiam no chão, e o seu corpo agora dançava.
Minha barriga roncou atordoada. Fiquei olhando as pedrinhas, abaixei e coloquei aquele punhado pontiagudo na minha mão. Elas me feriam, mas eu Fingia que não doía. Dava uns gritinhos de disfarce, mas era dor das pedrinhas, dor de paixão e dor de fome. Ela finalmente sorriu.
Ofereci as pedras para ela, ela olhava-me com olhos escuros de jabuticaba. Aceitou o punhado das pedras. Minha barriga esfriava e arfava. Ela segurou o punhado colorido olhando-me fortemente. Vagarosamente coloquei as minhas mãos entre as suas e apertei-as bem forte. Ela assustou-se. O sangue vermelho saía por entre seus dedos, a música tocava, o cheiro de flor de cemitério exalava, minha barriga dançava e ela começou a soltar gritinhos e sorrisos que faziam parte da nossa brincadeira de pedras pontiagudas. A dança acelerou-se, porque a música mudou e os nossos estados estavam eufóricos, tão cúmplices e misturados que quisemos girar e gritar por todo aquele pequeno e grande espaço que um dia nos separou. Corremos e dançamos muito. A chuva traiçoeira e enciumada do nosso amor vingou-nos, penetrando sem licença sobre os corpos de nós duas. Quisemos massacrar a chuva. A brincadeira parou. Porque tudo começou a alagar e a vazar. Olhamo-nos. Ouvi um ronco, mas não saía da minha barriga, era o dela, era estridente e sofrido, assustei-me e senti felicidade entendendo a correspondência doida do seu amor. Paradas, extasiadas com o modo audacioso da chuva, chamei-a para minha casa para fugirmos. Corremos até lá, a chuva nos perseguia, juntamos muitas pedras dentro de um saco plástico, a chuva fazendo cócegas em nós, eu amaldiçoando a chuva e a menina-minha gritava para ela ir embora porque a chuva entrava no seu corpo. Com sacos de pedras coloridas entramos na minha casa, mudamos a música, colocamos um som sem definição e começamos novamente a brincadeira, dança, música e pedrinhas coloridas. Nossas barrigas roncaram ao mesmo tempo, sorrimos com cumplicidade. Sabíamos o que queríamos. Cobrimo-nos com pedrinhas coloridas que furavam e penetravam nossos corpos dando cores que fascinavam os nossos olhos. Sangramos sorrindo. As pedras pertenciam a nós duas, começamos a gritar e a uivar pela dor, paixão e pela fome que as nossas barrigas tinham uma da outra. Abraçamo-nos e as pedras foram entrando cada vez mais no nosso peito, furando, beijando-nos, tornado uma imagem de castelo alto de pedrinhas, meninas juntas de vidas coloridas... Até que a outra vida nunca mais tirasse as cores que só eram nossas. Comemos-nos: orelhas, braços, pernas, matamos as nossas fomes e enfim fomos desfalecendo. A chuva enraivecida tornou-se furacão e derrubou tudo como um turbilhão. Restaram a música, o aroma das flores do cemitério e as pedrinhas coloridas que nos levaram coloridas para outro instante.

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