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terça-feira, 10 de março de 2009

Vende-se Quiabo

VENDE-SE QUIABO


Aquele dia... Foi quando o meu coração começou a bater mais forte, olhei para a placa e estava lá escrito em minha frente: vende-se quiabo. Na feira todo mundo é camarada, a labuta é igual para todos, lá abre madrugando o dia. Acordamos com as galinhas, corremos atrás do tempo para que ele não escureça e vá embora mais cedo. Minha mãe sempre me disse que homem que dorme demais não vence na vida e que as galinha é amiga dos homens e o relógio de Deus. Eu nunca que entendi como as galinha era amiga de Deus, mas como foi mainha que disse, a verdade então estava dita e ponto.
Eu era homem feito, 29 anos de estrada, quando senti essas coisa meio doida de aborrecer a cabeça e o juízo. Sentia uma dor que eu não sabia como dizer, mas não era dor de corpo, era dor de alma e eu nunca que tinha ouvido falar em dor de alma. Mainha morreu no meu aniversário, eu tava só no mundo, não conheci meu pai. Mainha me falava desde cedo que ele tinha ido embora, porque tava doente da moral, e tinha ido se cuidar. Até hoje não sei nada dele e se já ficou bom.
De manhã, quando eu acordava, fazia tudo o que era de costume. Os ensinamentos de minha mãe eu levo pra vida toda. O sonho de mainha era de um dia eu saber ler aquelas placas grandes que ficava na rua roubando os olhos de quem ás vezes nem queria ver. Tem até um nome para isso... Agora num lembro. Que coisa mais doida de profissão, roubava os nossos olhos de verdade! Eu acho que um dia queria fazer isso de roubar os olhos de toda gente.
A dor de alma aumentava a cada dia, a feira era o único lugar onde eu recostava a minha dor e ela parecia ir embora. O dia em que mainha me deixou nunca que esqueci: ela tava deitada na cama, tinha tosse de cachorro, acho que pegou de Lolita, a cadelinha da vizinha que todo dia vinha comer o pratinho que eu e mainha fazia para ela. Lolita morreu. Fiquei triste. Minha mãe, como sempre, me explicava que todo mundo tem sua vida traçada e sua hora. Às vezes eu ficava era doidinho pensando quando é que a tal da dona morte ia me levar. Pedia a Deus que ela não viesse tão cedo, eu não gostava dela. Mainha sorria sempre quando eu falava disso, ela era corajosa e nunca que teve medo de nada. Eu acho que a única coisa que doía em mainha era ela não saber ler as placas que ficavam escrita na rua e não saber escrever o meu e o seu nome.
Um dia, bateu na minha porta um rapaz bem apessoado, dizendo que trabalhava contando quantas pessoas existiam onde a gente morava. Eu achava que era doidice e ficava matutando para entender como ele contava tanta gente num mundo que mainha dizia que era tão grande! Também pensei em um dia poder contar o quanto de gente que existia no mundo... eu ficava pensando o que era maior: o número de gente ou o tamanho do mundo? Meu Deus, eu acho que tenho é certeza que o número de gente deve ser maior, toda hora eu vejo gente em todo lugar: na rua, em casa, prédio, até no lixo e na ponte. Acho que deve ter pouca terra para esse mundo de gente, não tem terra pra fazer casa para todo mundo. Mas mainha dizia outra coisa que atrapalhava a minha cachola: “Deus é tão alto que nunca que ninguém vai alcançar os olho dele. Ele vê é tudo porque o mundo é muito do grande, igualzinho a ele! Os Homem que não sabe disso leva toda terra com ele, mas Deus é maior e vê tudo de cima”. Sempre acreditava nas palavras dela, mas isso era ruim pra entender. Eu ficava pensando que eles não davam as terra para os que não tinha era porque o mundo tava pequeno demais para esse tanto de gente, e não porque não queria.
No dia que o rapaz que contava gente no mundo chegou, ele mostrou a mainha como que era as letras que escrevia o meu nome e o dela: “É assim, dona Nair: N-A-I-R. E seu filho é R-A-Y-M-U-N-D-O”. Nunca que minha mãe perdeu esse papel. Aquele dia que dona morte chegou e levou mainha, ela tava segurando forte o papel dos nomes e me disse: “Meu filho, vou te contar um segredo. Um dia sua vó me disse que existia um tesouro no mundo, mas que pra achar, a pessoa tinha que saber as letra que mostrava onde tava o baú do tesouro. Sua mãe tava era buscando o tesouro, mas aí acho que me perdi do caminho quando conheci seu pai, ele disse que mulher dele não tinha que tá procurando tesouro e essas coisa de saber letra. Aí depois de um tempo você nasceu e seu pai ficou doente da moral e foi embora, fui esquecendo de encontrar o tesouro onde as letra tava guardada e aí não achei foi mais. O tesouro diz é tudo desse mundo que é tão grande...! Mundy (era assim que ela me chamava), vá buscar para sua mãe o tesouro que tem o segredo das letra. Vou tá vendo você lá de cima, nos braços de Deus, e dando é risada de felicidade! Se lembra que te disse que ele era grande?!”. E foi aí que mainha fechou os olho. Nesse dia que senti uma dor tão grande, mas que não era no corpo. Conversei com o meu camarada da feira, Zé Augusto, e ele me mandou procurar a mãe dele que era dona de uma farmácia e entendia de dor de gente, de tudo que é tipo. “Raymundo, você está com uma dor na alma de saudade de sua mãe, precisa encontrar um motivo para viver melhor”. A dor de alma não tinha remédio que curasse, eu ficava dia e noite matutando o que podia melhorar a minha dor.
Já fazia um monte de tempo que mainha tinha ido morar com Deus, acho que já virei o ano diferente duas vezes sem minha mãe. Um dia aconteceu uma coisa muito bonita. Eu tava na feira, na minha barraca de quiabo, quando Rosa apareceu. Ela era bonita feito gente de novela, tão doce que parecia fazer massagem naquela dor de alma que sentia há tempo sem sarar. “Por favor, você pode me dar um centro de quiabo?”. “Sim, claro!”. Nesse dia, não sei o que foi, mas o meu coração bateu mais forte e meu estômago embrulhou. Acho que entendi o que meu coração e meu estômago tava querendo me dizer: eu tava era apaixonado! Chegava cedo na feira, como de costume, e ficava buscando todo o tempo Rosa com meus olho.
Uma tarde, lá na feira, ela chegou linda, de vestidinho solto no corpo, o que mostrava que era uma menina de família. “Oi! ...é..... Aqui só vende quiabo?”. Eu fiquei com medo de dizer que sim e ela nunca mais aparecer. “Não, não... é que tá tudo em falta”. Ela sorriu para mim e me perguntou: “Como é que é o seu nome?”. Eu quase gaguejando respondi: “Ray... mundo”. Ela sorriu mais uma vez: “Escreve para mim seu nome, para eu guardar comigo, como se fosse foto que a gente guarda...”. Fiquei sem graça e embaraçado, falei: “Eu estou procurando o baú do tesouro que guarda as letra, mas ainda não achei. Quando eu encontrar, te mostro tudo o que tá escrito nas letra”. “E tu sabe como vai buscar esse tal de baú?”. Foi aí que descobri que Rosa tinha me mostrado o que os meus olho tava teimando em num ver. Eu precisava buscar onde é que tava esse tal de tesouro escondido.
Eu já tava há um tempo com Rosa, a gente buscava o tesouro junto, já que ela queria descobrir os segredos das letra comigo. Teve um dia que foi um dos mais importantes de minha vida. Rosa chegou gritando em casa: “Eu encontrei Dico (era assim que ela me chamava) onde tá o tal do tesouro!”. Meus olho ficaram foi brilhando naquele dia! Fazia era tempo que eu e ela procurava o tal do baú, eu já tava com os meus 38 anos e ela 32: “Ô bicho burro é o homem, às vezes tá tudo de baixo do nosso nariz e a gente empaca e num vê”. Rosa chegou gritando: “Tá aqui pertinho Dico, é enorme. Acho que vai ser é difícil da gente desembrulhar....”. Mas não foi nada difícil da gente desembrulhar o baú.
Então, como em toda história existe um homem bom, nessa também existiu. Foi quando o moço que contava gente no mundo resolveu voltar, cumprindo a promessa que um dia fez a dona Nair. Foi para a feira, na barraca de quiabo de Raymundo, e encontrou Rosa. Lá eles conversaram tudo e ele explicou para Rosa quem ele era e o que tinha vindo fazer aqui. No dia que ele bateu na minha porta mais uma vez, tive um sentimento bom de que chegava um amigo. Lembrei do segredo que ele tinha comigo... Lembrei também do dia que ele apareceu pela primeira vez e ficou meu amigo e de mainha, naquele dia que ele apareceu na porta de minha mãe perguntando um monte de coisa! Fiquei até um pouco aperriado, não gostava desse negócio de gente que não conheço saber de minha vida. O moço perguntava tudo e eu e minha mãe respondia tudo também. “Por favor, dona Nair e seu Raymundo, grau de escolaridade?”. “Não sei, não senhor, esse negócios de letra”. Foi nesse dia que eu ouvi baixinho mainha falando de um tal de tesouro: “Pois é, seu moço que conta gente, eu tava era buscando o tal do tesouro, mas aí...”. Ouvi tudo o que eles falavam, mas mainha dizia que era feio ficar de olho na conversa dos outros, e então apaguei de minha cachola o que eu achei que tinha ouvido e nunca mais quis lembrar, até mainha me revelar sua antiga procura das letra e Rosa aparecer! O homem que contava gente gostou foi demais da gente. Ganhamos um amigo, o que era uma das coisas que mainha dizia ser mais rica na vida. “Tchau, dona Nair e Seu Raymundo. Obrigado pelo cafezinho, um dia eu volto”. E foi aí que se desenrolou o presente e se sucedeu a história. Ele voltou e.... a descoberta do baú.
Eu tava em casa, era hora do almoço. Bateram na porta. “Atende aí Dico, é um moço que conta gente no mundo, que disse lá na feira que vinha aqui. Ele disse que era seu amigo”. E foi assim que senhor José (era assim que o moço que contava gente no mundo se chamava), apareceu mais uma vez. Ele entrou, sentou e tomou cafezinho com a gente. Contei que mainha tinha ido morar com Deus e que Rosa era toda a riqueza que eu tinha na vida agora. “Eu voltei, Raymundo, para cumprir a promessa que um dia fiz a sua mãe. Rosa me contou que vocês estão procurando o tesouro!”. Aí foi que tudo se clareou na minha cabeça... Lembrei do dia que ele prometeu a minha mãe de achar o tal do tesouro. E me recordei daquela cena dele vendo que eu ouvi o que ele e mainha diziam. Ele sorriu para mim, naquele dia, e fez que não viu que eu tinha ouvido sem querer o que mainha falava. Entendi, naquele dia, que ele era o meu amigo e que ia guardar o meu segredo. Ele viu que eu vi, mas fingiu que não viu, esse era amigo de verdade!
Naquele dia que ele voltou. Seu José contou para mim e para Rosa uma bela história. Falou que existia um menininho que um dia quis conhecer o mundo todo, mas esse menininho não sabia como começar, e aí um dia uma “fadinha” veio e mostrou que, pra começar uma aventura, ele teria que decifrar o que tava escrito num papel que ela tinha acabado de entregar para ele. O menininho sorriu e disse: “O que tem escrito, não sei ler?” . Foi aí que esse menininho percebeu que para ele desbravar o mundo, tinha que entender o que tava escrito no papel. O menininho perguntou para a “fadinha” como é que se começava a aprender aquelas coisa que tava no papel, e foi aí que a fadinha respondeu: “Para aprender a ler, basta estar com o coração aberto a mente atenta e se deixar viajar... Quando você menos perceber, estará desbravando o mundo e viajando por ele todo! A leitura te leva para onde você quiser!”. Seu José disse que hoje o menininho trabalha como um servidor público do IBGE, conhecendo todo tipo de gente, de história, viajando muito e ajudando muita gente como um dia o menininho foi ajudado! Fiquei foi contente, aquele dia entendi a mensagem e o fim da história: seu José era o menininho e tava agora era viajando pelo mundo todo com as letra!
Foi nesse dia, com meu amigo José, que pisei pela primeira vez numa escola. Era grande como Rosa tinha falado, fiquei pensando como seria difícil desenrolar aquele troço que era tão grande.... Mas não foi difícil, não! Foi isso que aconteceu com as letra. Eu e Rosa aprendemos fácil a entender as placa que tavam escrita nas rua, a nossa mente tava atenta pra tudo o que o professor ensinava, conheci tudo que é letra! Tinha umas com uns nome engraçado como quê: Agá, Xis, Jota....
O mundo realmente era grande demais para esse tanto de gente que tinha na rua, na ponte, no lixo.... eu agora que entendia a matemática do mundo: o mundo é grande e tem terra para todo mundo, tem mais tamanho de terra do que tanto de gente, então isso quer dizer que tem terra para todo mundo, que doidice! Matemática mais errada.... muita terra pra uns e terra nenhuma pra outros, bem que mainha disse: “Deus é grande e Vê tudo!”. Quem decifra as letra entende o mundo!
No dia em que aprendi a ler... Aquele dia... foi quando o meu coração começou a bater mais forte, olhei para a placa e estava lá escrito em minha frente: VENDE-SE QUIABO. Eu agora, de braços abertos, descobria o mundo das letras e tudo se abria na minha cabeça: a matemática errada das terras, as placas, até a dor de alma...Tudo! O mundo novo se abria para eu poder entrar com Rosa, feliz, e lá de cima eu ouvia minha mãe dizendo: “Entre mais, Mundy! Você pode ir onde quiser e caminhar sempre na placa que indica: pra frente! E ser o que quiser! Você sempre num quis roubar os olhos de toda gente?”. Foi nesse dia que lá do alto eu ouvi minha mãe sorrindo nos braços de Deus e entendi que ele era grande demais, como ela tinha dito, e que o mundo era sem fim igual a ele. Agora só me faltava viajar no mundo sem fim das letras e descobrir um monte de coisa sobre ele. E foi depois da alfabetização que escrevi essa minha história, para que eu pudesse sempre roubar os olhos de toda a gente.

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