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quarta-feira, 11 de março de 2009

Cheiro de Estrume

EXPOSIÇÃO DO CONTO CHEIRO DE ESTRUME NO SANTO ANTONIO- SALVADOR

Cheiro de estrume

Cheiro de estrume. Cheiro de coisa velha. Cheiro de porco. Cheiro de gozo fétido. Cheiro de leite podre. Cheiro de suor azedo. Cheiro de hálito batido.... Exalavam no ar os meus 12 anos. O tempo dividia-se em dois: antes dos doze anos e depois dessa idade.
Sangrei. Menstruei. Brincadeiras de bonecas já não podiam existir. Sofri, obriguei-me, era mulher. Agora eu era a boneca das minhas brincadeiras: a Barbie que brincava com o Bob, o Bob que brincava com a Barbie, a Barbie que brincava com a Barbie, o Bob-Barbie-Bob, e todos juntos brincando. Era assim, duplas, triângulos, quartetos ou qualquer coisa e tal. Ele era quase velho, tinha lá seus quarenta anos. Olhava-me. Perturbava-me. Em casa, morávamos eu, minha avó, minha prima e ele, o tio-porco-velho. Babava. Rosnava. Sugava-me com olhos remelados.
Nas tardes gostosas de brincadeiras despretensiosas com malícias inocentes, antes dos doze anos, eu e minha prima nos divertíamos recheando de fantasias aterrorizantes e excitadas a descoberta do mundo. Minha prima era a minha guia, tinha um ano a mais que eu, observava-a. Ensinava-me. Encostava suas partes íntimas em quinas de cadeiras, camas, vasos dos banheiros que rangiam agonizantes de desejos. Balançava-se, esfregava para frente e para trás, com ar sonso e agitado, apresentando coreografia com sons abafados, gemidos preguiçosos, excitantes de se ver. No instante do silêncio ansioso crescente, seu rosto e a sua respiração transfiguravam-se, dilatavam-se, saíam sons murmurantes escondidos que até então eu não conhecia. Cansada depois da coreografia, ela jogava seu corpo no chão, olhava-me e dizia num tom provocador: “Faça igual”. Imitava-a, esfregava, gritava, gemia beijando-a na boca, sorríamos e não falávamos sobre o ocorrido.
Descobrimos o mundo...
Revistas no quarto do tio-porco-velho de pessoas que mostravam seus corpos despidos em posições curiosas. Arrancávamos as páginas e comíamos os papéis. Comíamos partes intimas dos corpos das fotos, digeríamos mijando, sempre. Gostávamos de andar de calcinha pela casa, fazíamos desfiles, enfeitávamo-nos com pedaços dos restos das costuras encomendadas a nossa avó.
Descobrimos o mundo...
A máquina da minha avó não parava o dia inteiro. Meu tio-porco-velho cuidava-nos, rondando com seus olhos arfantes e sua voz que saía engasgada e esmagada, atrapalhado, gesticulando como burro-surdo-mudo a cada travessura que fazíamos. Tínhamos o trunfo nas mãos: ele não podia falar. Zombávamos dele com línguas, invadíamos o seu pequeno mundo castrado pelo desejo interrompido. Era porco-velho.
À noite dormíamos no quarto com minha avó, eram três camas divididas por criados-mudos, iguais ao meu tio. Meu sono era despertado no embalar da noite, gritos ensurdecedores povoavam o abafado de nossa casa, era o vento furioso me chamando. Levantava-me nas noites de insônia, quase zumbótica, atendendo aos seus pedidos mudos de sofreguidão. Ia até o seu quarto, escondia-me. Ele deitado, acorrentado por grades imaginárias, virava porco à meia-noite. Babava. Crescia o que tinha entre as pernas, chorava lágrimas abatidas, soluçava. Fingia que não me via. Eu sorria. Desconfiava do seu mundo sem som e sem voz, achava-o mentiroso. No delírio e no transe, ele me chamava. Sua voz era grossa, sufocada. Tinha nojo, cuspia. As noites, antes dos doze anos, moviam-se por desejos castrados pelo medo do meu tio porco de me entregar e falar. Tinha o trunfo: a voz. Eu, medo dele, vomitava. Provocava...
Sopro úmido e obscuro...
Cheiro de tempo passando. Cheiro de sangue. Cheiro de mulher. Cheiro de gosma. Cheiro de coagulação. Menstruei. Minha prima, sendo um ano mais velha, invejou-me, enciumou. Não era mulher ainda. Feto. Rejeitei-a. Achei-a boba para a minha mocidade. O que me restava a fazer era descobrir a outra parte do mundo sozinha, na solidão dos desejos. Era mulher. Estava no cio. Andava composta pela casa com roupas que cobriam as partes íntimas. O primeiro sutiã escondia as pedrinhas bicudas audaciosas que apontavam para a vida, comportava-me como uma cadelinha formosa. Meu tio porco-velho era cão farejador. Sempre que sangrava, ele me seguia como cachorro que quer lamber o rabo. Eu o enxotava. Aos gritos, ele saía rosnando com as mãos apertando suas partes íntimas que cresciam por entre os calções fedidos e velhos.
Era a terceira vez em minha vida que eu sangrava, algo estranho começou a pulsar dentro de mim, queria preencher uma coisa lá dentro. Assustei-me. Repeti as coreografias bem decoradas várias vezes, melei minha mão de sangue, cheirei, estranhei. Gozei pouco. Queria mais. Doía. Pensava no porco-velho, tinha nojo, vomitei. Gozei pobre. Fui dormir, a noite chegou. Perturbada pelo desejo latejante, por gritos abafados do vento furioso, fui chamada pelo rugido surdo e mudo apavorado do tio-porco-velho. Levantei-me cautelosamente, fui me arrastando como uma cobra, queria dar o bote. Como de costume, atrás da porta, observei-o. Seus membros cresciam, toquei-me. Sentia confusão, nojo, desejo. Queria ele. Abri a porta. Seus olhos arregalaram-se, ficaram estatelados me olhando, sua mão era enorme, não maior que os seus membros arroxeados, que eram friccionados num movimento arfante de cima para baixo. Fitei-o. Ficamos nos encarando como num duelo raivoso durante um tempo. Furor e desejo. Seus dentes começaram a crescer, seu cu transfigurou-se num rabo, suas orelhas se deformaram. Ele babava. Virou porco-velho. Possuída, incendiada, arranquei a calcinha do corpo, gritei, ordenei: “Chupe, lamba tudo seu porco-velho”. Ele meteu a língua e focinho por entre minhas coxas, sugou, bebeu. Misturando saliva e sangue que escorriam da sua boca, ele falou: “Eu nunca fui surdo-mudo sua puta-porca, abra a perna vou te meter”. Abri a perna, ele enfiou, eu comecei a chorar salgado. Ele lambeu ardendo-se do sal.

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